Anne acordou e não conseguia colocar as idéias em ordem: onde estava mesmo? O que tinha feito ontem a noite? Com muito esforço, abriu bem os olhos, tentando focalizar o que se achava à sua frente e, surpresa, viu que as janelas estavam abertas, a claridade entrando e castigando seus olhos ainda sensíveis pela noite agitada, tudo arrumado; nem suas roupas estavam espalhadas pelo chão.
- Ai, o que aconteceu?? Pense, pense...
De repente, um barulho vindo de algum lugar fora do quarto faz com que seu despertar seja mais rápido ainda.
- O que será isso? Quem estará aí?...Que droga!
Resolve levantar, sua pulsação esta agitada demais; vai verificar o que está acontecendo. Será sua empregada que resolveu madrugar? Opa, além da ressaca noturna, a loucura chega com força total: não tem empregada, nem diarista e, nem mesmo um bicho de estimação.
Enrola-se no lençol e segue o barulho, que vai ficando cada vez mais nítido, assim como o cheiro ma-ra-vi-lho-so do café recém passado. Na porta da cozinha, pára e vê uma figura que lhe é bastante familiar. Ele, ouvindo seus passos abafados, vira-se e lhe dá o melhor e o maior dos sorrisos, como se fosse a mulher mais linda do mundo, mesmo com os cabelos desgrenhados, o rosto ainda marcado pelo travesseiro e, claro, o bafo que só em novelas e filmes de Hollywood não existe.
Aquele olhar, aquele sorriso, ambos sempre tiveram o poder de prender seus pés ao chão, de fazer com que sua respiração acelerasse e com que seu corpo formigasse inteiro.
- Puxa, mesmo depois de tanto tempo, tantos anos, tantas idas e vindas, ele ainda mexe comigo.
Ele aproxima-se com uma xícara de café, aquela fumacinha saindo, tornando aquele amolecimento que tomou conta de todo seu corpo mais irreal ainda; sorri, olhando profundamente em seus olhos.
- Dormiu bem?
Ainda inebriada pelo cheiro do café e pelas mãos que acariciam seu rosto, começa a lembrar da noite passada.
Caía um temporal assustador e, junto com a chuva que cobria a cidade, sua solidão resolveu sair da toca, onde a tinha colocado há muito tempo atrás. Não quer ficar em casa, sozinha, curtindo a sensação de que é a única pessoa que sofre com a chuva, com o vento, com tudo o que a natureza traz nesse momento, mas, também, não quer ver "gente".
O telefone está tocando...tocando...tocando.
- Não vou atender. Não quero falar com ninguém.
De repente, na secretária eletrônica,uma voz do seu passado, da sua vida; uma voz que embalou seu sono em noites assim, de tempestade; uma voz que lhe disse coisas que ninguém jamais conseguiu repetir com a mesma intensidade.
"-Oi, sei que já faz tempo...mas, gostaria de te ver, novamente! Odeio deixar recados nessa máquina...vamos conversar...esclarecer coisas, dúvidas...por favor!!! Me liga!"
Num impulso, sai daquele torpor em que se encontra e lembra de seu olhar, de seus beijos, do jeito que a envolvia quando faziam amor. Pega o telefone e, mesmo na incerteza de estar fazendo a coisa certa, liga.
Precisa resolver isso, sair dessa loucura toda que a envolveu, que a anulou durante tanto tempo. Uma, duas, três chamadas..
"- Alô!.." - E, agora, o que digo? Vou desligar...foi uma péssima idéia...
"-Alô!!! - insiste a voz do outro lado.
Fala sua covarde! Foi você quem caiu fora ...fala, logo!!
- Oi...- assim, de supetão, sem dar tempo de fugir, novamente.
A reposta, seguida de um sorriso que se podia ouvir do outro lado da linha, faz com o universo pareça ter conspirado para que isso acontecesse.
"-Puxa, que bom ouvir sua voz...estou morrendo de saudades!"
E, como se a chuva tivesse ido embora, como se não existisse ninguém mais além dos dois, a conversa torna-se simples, cheia de coisas a serem resolvidas. Ela, sem medo, sem receio e, ainda com muita sede daquele homem, o convida para sua casa, seu santuário.
Mesmo com todo o aguaceiro caindo lá fora, ele chega em sua casa e, ao olhá-lo, é como se nunca tivessem deixado de pensar um no outro. Ele toma suas mãos e a puxa para seus braços; ela, sem saber se vai dar certo, sem saber o que vai acontecer, entrega-se aquele momento e deixa tudo fluir: se o universo fez com que esse momento acontecesse, não vai fugir disso.
Entram, tocam carinhos, beijos, conversam, esclarecem e, em meio a tudo isso, um vinho, duas taças, duas vidas que resolvem se reencontrar e se entender novamente.
"-E, aí, dormiu bem?"
De volta à realidade...de volta à cozinha...ao café!
Ele continua igual, apaixonante, másculo. E, com o mesmo olhar de antes, desnuda sua alma, ilumina sua vida!
"Não posso fugir mais, não quero mais ter medo de ser feliz." E, sorrindo, responde:
- Dormi, dormi muito bem.
Ele, depois de ter declarado seu amor na noite passada e sua vontade de viver esse amor ao lado de alguém tão especial, a beija apaixonadamente e a leva de volta para a cama.
Lá fora, a chuva recomeçava a cair.....
Nota: escrevi esse pequeno conto em um momento de inspiração que chegou rápido e, em seguida, foi embora...acho que, na verdade, tem um pouco de mim - e de algumas amigas - na Anna, pois, o que todas buscamos, independente de posição social, é viver um grande amor. Espero que, quem ler, goste .
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